Olá, tudo bem?
Hoje a newsletter atrasou um pouquinho. É que, invejem!, ontem eu assisti à estreia da temporada do show Que tal um samba?, de Chico Buarque, em São Paulo (obrigado pelo convite, Alan Diniz!). Finalmente chegou a turnê na cidade e, para a nossa felicidade, o grande compositor está com várias datas disponíveis. Se eu fosse você, correria atrás, caso esteja aqui na cidade.
Eu, que nunca tinha visto Chico ao vivo, fiquei emocionado. Chico Buarque é um daqueles medalhões da arte que fazem renascer o desejo por um Brasil complexo, mas potente. As paisagens afetivas que ele pinta, as letras que roçam a língua de Luís de Camões, as harmonias riquíssimas… Tudo é muito. Muito! Enche os olhos, de beleza e lágrimas.
Ele traz suas contradições, é claro, como um bom retrato do país, sobretudo a respeito da branquitude: me assustou um pouco a ausência de pessoas negras na plateia (com exceção dos funcionários da casa), mas presentes em algumas imagens projetadas no palco. Uma materialização de tensões raciais estruturais neste Brasil? Chico tem uma obra que dá muito pano para se pensar.
O repertório do show, enriquecido com a presença estonteante de Monica Salmaso, cantora convidada da turnê, prova o que a gente já intuía: Chico Buarque não tem uma música mediana, aquela de encher linguiça. Dentre as mais de 20 incríveis canções que seleciona do seu acervo, muita coisa excelente fica de fora, por questão logística mesmo. Seria preciso fazer um show de 12 horas para contemplar toda a sua obra essencial.
Correndo o risco de ser injusto, hoje quero compartilhar aquela que considero a sua maior obra-prima: “Futuros amantes” (Chico Buarque), de 1993. Nunca uma música conseguiu traduzir tão bem a suspensão de um amor que fica no ar e que nunca se realiza. Eu até tentei traduzir aqui os sentidos da letra, mas, diante da sua construção tão talhada no mármore, essa tentativa soou desnecessária. É uma canção sem excessos que preenche ouvidos, olhos, coração… Música é feitiço.
(OLHA ESTA LETRA!!!)
“Futuros amantes” (Chico Buarque)
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você