Como é trabalhar com Marina Lima?
Sobre o privilégio de estudar e acompanhar uma das maiores cantoras, compositoras e arranjadoras brasileiras.

Olá, tudo bem?
Este assunto eu estou devendo há um bom tempo.
Para quem não sabe, neste mês de maio, eu, o violonista Giovanni Bizzotto e o multi-instrumentista Arthur Kunz subimos ao palco do Blue Note SP com Marina Lima todos os quatro sábados em duas sessões. Todos os ingressos esgotadíssimos para o show “Uma noite com Marina. Hits, drinks & talks”. Marina e os músicos mostram diversos hits. Eu entro, obviamente, com os talks, as conversas, e amarro o repertório com perguntas, curiosidades etc. Que privilégio o meu! Hoje eu quero compartilhar um pouco disso com vocês.
Estudo Marina Lima desde 2012, quando ela foi tema do meu TCC em Comunicação Social na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Àquela ocasião, eu estava interessado na construção da sua carreira, pelo viés da produção de sentido. Eu persegui a ideia de que ali havia uma trajetória muito distinta e uma artista que constrói significados em suas canções, seus discos, suas performances e suas maneiras de ser.
Depois, a pesquisa evoluiu para um mestrado no Instituto de Estudos Brasileiros da USP. E, mais recentemente, gerou um livro dentro da coleção O livro do disco, sobre o Fullgás (1984), um álbum que é uma fotografia dos esfuziantes anos 80 e que interpreto em três frentes: a camada política da transição democrática; a camada de gênero e sexualidade, das transformações comportamentais; e a camada do consumo, com a linguagem pop como insígnia de novos tempos.
Paralelamente às pesquisas, eu e Marina acabamos virando amigos e parceiros de trabalho. Começou com um release para o disco No osso. Depois, acompanhei de perto, como assistente, a produção do disco Novas famílias. Aí veio o projeto de lançamento duplo do songbook Marina Lima Música e Letra (disponível gratuitamente aqui) e do EP Motim. E agora estamos nessa deliciosa aventura chamada temporada no Blue Note, que fizemos inicialmente em dezembro do ano passado e que ocupou este mês de maio.
É um privilégio observar Marina Lima em ação. O seu compromisso com a música que se propõe a fazer me comove. Poucos artistas da música são tão arranjadores como ela: nenhuma nota, nenhum timbre escapa aos seus ouvidos. O time de peso de músicos que a acompanha sempre tem que estar à altura da sua seletividade musical, pois ela entende que a canção não é só a composição, mas também a forma de ser apresentada ao público, o seu formato. Nos ensaios, o controle de Marina sobre a forma de suas canções é total. Ao mesmo tempo, sua generosidade com todos os seus parceiros de trabalho é enorme. Vê-la exaltando a parceria com Giovanni Bizzotto em “O chamado” e Arthur Kunz em “Vingativa” é emocionante.
Esse show que estamos fazendo, especialmente, é uma espécie de portfólio da sua obra. Os hits são tantos que até alguns ficam de fora (por motivos de tempo mesmo). Ela toca violão (seu primeiro instrumento), guitarra e apresenta algumas composições de linguagem eletrônica (que explora desde pelo menos Fullgás). Tem composições suas, como “Pra começar” e “Virgem” (ambas em parceria com o seu irmão, o poeta e filósofo Antonio Cicero). Tem canções de outros autores, que ela toma de forma tão autoral que até parecem ser suas (e de certa forma são), como “Pessoa”, do Dalto, e “Não sei dançar”, do Alvin L. É um grande presente ao público vê-la de maneira tão próxima e intimista mostrando tantas facetas suas.
Marina Lima é uma artista muito rara e séria. Alguém que bagunçou a MPB e o rock com uma ambição musical muito distinta. Que tem pavor de se repetir e, por isso, sempre explora novas paisagens sonoras. Que reflete o seu tempo, compreendendo que cada idade tem o seu charme (como ela mesma costuma dizer). Ainda bem que muita gente já se ligou no quilate desta artista. Dela há muito ainda a ser dito e explorado. Viva Marina Lima! Música é feitiço.
PS. Deixo aqui a entrevista mais recente que ela deu à jornalista Lorena Calábria (boa entrevista, aliás!).
PS 2. Aproveitando, semana que vem, dia 1º de junho, estarei em Belém do Pará para lançar o livro sobre o Fullgás na Travessia Livraria, às 18h30. Fica aqui o convite! Se você for da cidade ou conhecer alguém de lá, por favor, nos ajude a divulgar! :)