Olá, como vai você nesta 45865ª semana de março?
Olha, eu não sou muito bom em contar histórias do restrito mundo da música. Nem sempre os bastidores são interessantes e morro de tédio da maioria das fofocas e picuinhas. Mas a questão é que hoje senti vontade de contar um “causo” dos bons.
Hoje quero falar sobre uma passagem bissexta na carreira da Madonna e da Björk: o dia em que a popstar norte-americana gravou uma canção assinada pela compositora experimental islandesa, o único ponto de contato direto entre as duas artistas.
Personagem 1. Lá pelos idos de 1993-1994, Madonna estava em um momento da carreira muito particular. Após escandalizar (e não estou usando o termo aqui no sentido metafórico) grande parte do público e da mídia com a sua fase Erotica, composta por um disco de fraco êxito comercial, um livro de fotografias eróticas (o SEX) e a encarnação da persona Dita, extraída dos porões de BDSM, Madonna precisava se reinventar.
Antenada aos movimentos do R&B, do hip hop e da música eletrônica no pop, Madonna escalou um time de produtores com quem nunca havia trabalhado antes, Nellee Hooper, Dave Hall e Dallas Austin, para a produção do disco Bedtime stories (na minha opinião, um dos melhores discos de Madonna, aliás), uma redenção pós-Erotica.
Personagem 2. Naquele mesmo ano, Björk estava em estúdio preparando o seu segundo disco, Post, que seria lançado em 1995, com produção da artista em parceria com… Nellee Hooper, produtor que linka as duas personagens da nossa história. Após ser a vocalista da banda neopunk Sugarcubes, Björk tinha acabado de lançar seu primeiro disco, Debut, em 1993, que chamou a atenção da crítica e da classe artística, entrando no radar de Madonna.
Plot point. No entrelaçamento entre o momento de reinvenção de Madonna e consolidação de Björk como uma artista experimental e pop, nasceu “Bedtime story” (Björk/ Marius de Vries/ Nellee Hooper), canção totalmente björkiana que faz uma ode ao inconsciente, que Madonna gravou e que ganhou um dos clipes mais lindos da carreira da popstar. Dirigido por Mark Romanek, o clipe faz referências ao surrealismo em diálogo com o arranjo eletrônico hipnótico da faixa. Assiste aí, antes de chegarmos ao plot-twist.
A parceria deu muito certo. Rendeu elogios na crítica, atraiu um novo público, mas se engana quem acha que as duas se aproximaram para que esse encontro ocorresse. Não foi bem assim…
Plot-twist. Eu acho essa história super curiosa porque, se você assistir a entrevistas em que a islandesa é questionada sobre o caso, verá que ela joga um sincerão e diz que, “sem ofensa à Madonna” (palavras dela), só deu essa música a Madonna porque o amigo dela, Nelle Hooper, pediu. Um aparente desdém? Uma certa apatia?
Tenho para mim que talvez a Björk não tenha gostado tanto do resultado (Madonna à ocasião, por exemplo, cortou algumas frases originais, como “fuck logic”). Digo isso porque nem o título da faixa madonnística Björk levou adiante quando lançou duas versões derivadas da canção, “Sweet Intuition” e “Sweet Sweet Intuition”, como lados B de singles do Post.
Nunca saberemos se Björk gostou ou não da versão de Madonna. Aliás, na história da música brasileira, o compositor não gostar da versão do intérprete é muito comum - vide Sueli Costa desgostosa com a versão de Gal Costa para “Vida de artista”, composta por Sueli e Abel Silva. Melhor deixar para lá essa nossa curiosidade de bastidor. Ou, como diz “Bedtime story”, “let's get unconscious, honey” e deixar fluir. Música é feitiço.
PS. Tenho para mim que Madonna, posteriormente, ainda seria inspirada por Björk ao menos em mais um momento. Não acredito ser coincidência o fato de o arranjo de “Frozen”, de 1998, se utilizar dos mesmos movimentos de cordas presentes em “Jóga”, lançada pela islandesa um ano antes em Homogenic (1997). Ouça as duas, por favor, e me diga que não estou maluco!